sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Otimo texto do portugues Henrique Raposo

O santo "neoliberalismo"

O comércio tradicional acusa do governo de ser "neoliberal". O governo, que é "neoliberal" para os comerciantes, acusa o PSD de ser "neoliberal". É tão bom termos uma palavra que legitima assim a nossa preguiça intelectual.

Henrique Raposo (www.expresso.pt)

I. Sim, senhora. Vamos lá ao comércio tradicional. Vamos ali à loja do bairro comprar x. Olha, está fechada às 13.34. Vamos a outra loja do bairro comprar y. Olha, também está fechada às 14h. Às 19h, quando se chega a casa, também não há lojas abertas. Resultado: temos de ir à malvada "grande superfície". Meus amigos, estas lojas tradicionais são a imagem perfeita de um Portugal, de um certo Portugal que recusa mudar. Boa parte destas lojas ainda mantém horários e hábitos do tempo do dos meus avós. A sociedade portuguesa evoluiu, está mesmo em 2010, mas as ditas lojas ficaram em 1970. E recusam adaptar-se.

II. Há dias, na TV, um senhor, que falava em nome do comércio tradicional, dizia que o governo estava rendido ao "neoliberalismo". Porquê? Porque o dito governo autorizou a abertura das grandes superfícies ao domingo, uma medida que a população "pedia" há muito. Estes senhores do comercio tradicional não só recusam adaptar-se, como exigem que a sociedade inteira permaneça no seu ritmo, o ritmo de 1970. Pior: ao usar a palavra "neoliberal", estes comerciantes acham que ficam - de imediato - legitimados. Não têm uma ponta de razão, mas acham que são os "bons" deste assunto só porque rotulam os adversários de "neoliberais". Uma artimanha usada por meio mundo aqui em Portugal.

III. De facto, chega a ser cómico o uso sistemático da palavra "neoliberalismo". Vejamos: os comerciantes tradicionais são incapazes de mudar, e depois legitimam este reaccionarismo através do truque habitual: dizem que os seus adversários rezam nos templos do "neoliberalismo". Neste caso, o adversário é o governo. Ora, estamos a falar do mesmo governo que passa a vida a dizer que está a defender o país do "neoliberalismo" oriundo da Comissão Europeia e do PSD. Eis como a vulgata marxista é o "senso comum" da linguagem pública portuguesa. O "neoliberalismo" é a palavra-mágica que, num ápice, tudo explica. Pior: é a palavra-mágica que legitima, logo ali, aqueles que a usam. Nesta terra, aquele que gritar "neoliberalismo" é um santo inquestionável. Em Portugal, se usarem esta password da demagogia, os idiotas e os pulhas passam a ser génios e santos. Logo ali.

IV. Curiosamente, neste país onde a palavra "neoliberal" anda nas bocas do mundo, a Constituição impede políticas liberais. Alguma coisa não bate certo nesta "estória".


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