segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O peso do estado

No estudo do Bird, país se notabiliza também pela falta de ímpeto reformista.

Um primeiro lugar que nos envergonha


    Por Alexandre Bassoli
    24/08/2009
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Estudo do Banco Mundial mostra que o Brasil avançou pouco para melhorar ambiente de negócios das pequenas e médias empresas

A edição 2009 da interessante publicação Doing Business2, do Banco Mundial, reitera a falta de avanços no Brasil no que se refere à melhoria dos vários fatores que afetam o ambiente de negócios para pequenas e médias empresas. A classificação geral nos coloca num desconfortável 125º lugar entre os 181 países pesquisados, numa disputa cabeça a cabeça com países com nível de desenvolvimento muito inferior ao nosso, como Butão, Lesoto, Ruanda, Zimbábue e Iraque. Estamos também entre os piores da America Latina e Caribe, alcançando o 26º lugar dentre os 32 países da região. A pesquisa do Banco Mundial abarca diversos fatores que afetam a dificuldade de se desenvolver negócios, como o tempo necessário para se abrir uma empresa, os entraves impostos pela legislação para se admitir funcionários, o acesso a crédito, o pagamento de impostos, o arcabouço legal que regula o comércio internacional, os mecanismos que asseguram o cumprimento de contratos e o respeito aos direitos de propriedade.

Além de nossa posição geral muito desconfortável, o Brasil se notabiliza no estudo pela falta de ímpeto reformista. Muitos países, inclusive alguns que ainda exibem problemas graves, demonstraram comprometimento maior com as reformas. Há uma lista de quase vinte países que promoveram reformas em no mínimo cinco áreas compreendidas na publicação no último qüinqüênio, sendo que alguns desses promoveram nada menos que 22 reformas no período. Dentre os reformistas estão Brics como China e Índia, além de Colômbia, Guatemala e México na América Latina.

Mesmo países da África, como Burkina Fasso, Moçambique, Gana e Ruanda, se incluem entre os que promoveram avanços importantes nos últimos anos.

Quando se analisam com mais cuidado os diversos aspectos considerados no estudo, há um que salta aos olhos no que se refere ao Brasil. Nosso sistema tributário é, de longe, o pior dentre os 181 países no que se refere ao número de horas de trabalho administrativo requeridas para recolher os impostos. As pequenas e médias empresas brasileiras empregam em média 2.600 horas nesse trabalho, ante uma média de 529 horas dos países da América Latina e Caribe e de 192 horas dos países da OCDE. O penúltimo da lista é Camarões, com 1.400 horas. Mesmo que as autoridades camaronesas, num surto de insensatez, alterassem a legislação tributária de forma a elevar em 50% as horas requeridas das empresas para cumprir suas obrigações com o fisco, o nosso vergonhoso primeiro lugar estaria assegurado, por larga margem.

A comparação com o resto do mundo nos ajuda, nesse caso, a compreender o grau de irracionalidade que atingiu o nosso sistema tributário. Não se trata apenas de termos uma das mais elevadas cargas tributárias dentre todos os emergentes. Trata-se da complexidade absurda do sistema caótico que foi construído ao longo de décadas, com o objetivo único de maximizar a arrecadação, sem considerar seus efeitos distorcivos sobre o crescimento econômico e a distribuição de renda.

A natureza das distorções produzidas pelo monstro disforme em que se transformou o sistema tributário brasileiro guarda alguma semelhança com aquelas observadas em nossas décadas de convivência com inflação elevada. Naquele tempo, defender-se da inflação e aproveitar-se das oportunidades de ganho geradas por ela era mais importante para o resultado das empresas que o desenvolvimento de novos produtos ou a busca de maior eficiência no processo produtivo.

O problema é que tais atividades de defesa contra os efeitos da inflação, que ocupavam boa parte dos melhores e mais preparados cérebros do país, tinham retorno social nulo, no sentido de que não ampliavam a capacidade da economia em seu conjunto produzir bens e serviços. A inflação engajava os agentes econômicos num jogo de soma zero, mas com retornos privados potencialmente elevados. Não é de se surpreender que ele tenha nos levado, em seu ápice, ao que se convencionou chamar de década perdida.

Algo semelhante decorre agora da desfuncionalidade do nosso sistema tributário. As empresas desperdiçam horas intermináveis de trabalho qualificado apenas para cumprir com os procedimentos administrativos requeridos pelo fisco. Mais do que isto, a complexidade do sistema tributário estimula a alocação de inteligência na busca de alternativas de minimização da carga de impostos por empresas e indivíduos. Tal como a inflação, o caos tributário engaja os agentes num jogo de soma zero, e tira o foco dos ganhos de produtividade e da melhoria da qualidade dos bens e serviços.

Também como a inflação, o caos tributário tem características, no caso brasileiro, de uma doença crônica, e não aguda. Ele não mata, mas debilita fortemente a economia e reduz seu potencial de crescimento. A busca de uma maior racionalidade na arrecadação e no gasto público é, sem dúvida, o maior desafio a ser enfrentado pelo Brasil nos próximos anos. O grau de êxito que venhamos a ter diante dele será um determinante crucial do fôlego do desenvolvimento do país nas próximas décadas.

Tomara que, daqui a quinze anos, os jovens de então olhem para o nosso sistema tributário atual apenas como mais uma excentricidade da história econômica brasileira, tal como fazem os jovens de hoje quando ouvem, incrédulos, histórias de um estranho país que conviveu durante décadas com a hiperinflação.

http://www.doingbusiness.org ...

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